Terça-feira (20 de outubro), a sessão da Câmara de Vereadores de Valente foi marcada por algumas manifestações de desagrado, por parte dos edis, no que se refere à uma operação da Polícia Federal aqui na Região do Sisal. Esta operação federal, que contou com o apoio do Ministério Público do Trabalho, escancarou uma triste realidade: as degradantes condições de trabalho dos chamados “trabalhadores do motor”, homens e mulheres responsáveis pela extração da fibra do sisal.
O ponto de partida, ao que tudo indica, foi uma reportagem investigativa da Record, exibida há dois meses. Os repórteres vieram até o Território do Sisal, especificamente na cidade de Retirolândia, e mostraram as condições desumanas de trabalho num campo de sisal.
Entre os problemas relatados na reportagem estão as jornadas extenuantes de mais de 12 horas, ausência de água potável, banheiro e muito menos equipamentos de proteção individual. O processo de desfibramento na máquina conhecida como Paraibana, ou motor, é perigoso e expõe o cevador (responsável pela decorticação da palha) a mutilações e outras lesões graves. Ele precisa cevar uma tonelada de sisal por semana para ganhar entre 150 e 200 reais no mesmo período. O entrevistado, conhecido como Miga, não escondeu a insatisfação:
“A gente trabalha duro, pouco dinheiro, não tenho condição de se alimentar bem, mas o importante é sobreviver”
Miga é responsável pelo sustento de cinco filhos pequenos, e diz que o salário é insuficiente para manter a família com dignidade. Chegando, como ele mesmo relatou, a deixar de comer para alimentar as crianças.
“A gente não sabe quanto custa um tapete de sisal. E sempre quem produz tudo é a gente”
Apesar de serem a base de uma cadeia produtiva que gera muita riqueza para grandes produtores e divisas importantes para os Municípios do Território do Sisal, a maior parte deles, senão todos, trabalham na mais completa informalidade, sem direito trabalhista algum, como férias, 13º, ou mesmo o salário mínimo. Muitos, em situação análoga à escravidão, na chamada servidão do sisal, inclusive com casos de emprego de mão-de-obra infantil.
Na sessão da Câmara, nada disso foi divulgado pelos vereadores. A insatisfação se deu tão somente pelo fato do MPT e a PF estarem cumprindo seu papel, numa legítima e necessária fiscalização realizada pelas instituições de Estado. O jornalista Leonardo Sakamoto, do UOL, noticiou que 37 trabalhadores foram libertados pelo grupo móvel de fiscalização, em operação que terminou nesta terça (20), nos municípios de Várzea Nova, Jacobina e Mulungu do Morro, havendo aplicação de multas e recolhimento de máquinas.
Segundo dados do Procuradoria Geral do Trabalho, mais de mil pessoas foram resgatadas de trabalhos análogo à escravidão no país somente em 2019, a maioria deles pelos grupos móveis do MPT. De acordo com o Código Penal brasileiro, quatro elementos podem definir a escravidão contemporânea: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes e jornadas exaustivas. À coluna de Sakamoto, a procuradora do trabalho Janine Fiorot afirmou que a situação encontrada na Região do Sisal requer atuação enérgica dos órgãos de proteção ao trabalhador, devido às condições de trabalho extremamente precarizadas.
Um clima de incerteza foi gerado entre trabalhadores, produtores rurais e representantes da indústria, e algumas lideranças chegaram afirmar que essa situação pode gerar milhares de desempregados, pois é substancial a quantidade de pessoas em nossa região que depende única e exclusivamente dessa atividade econômica para se manter. De fato, é necessário um diálogo amplo entre setores que representam os interesses comerciais do ramo do sisal, sindicatos de trabalhadores, Ministério Público e governos, de forma a garantir o emprego dessas famílias, mas que seja de forma digna e com respeito à legislação trabalhista, e não em moldes de exploração e insegurança, como ocorre atualmente.
Referências:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-01/brasil-teve-mais-de-mil-pessoas-resgatadas-do-trabalho-escravo-em
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