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Foto do escritorA coruja

Ciro e Lula: uma união improvável?



Na política, especialmente a brasileira, a formação de grupos, chapas e coligações nem sempre tem como objetivo uma união em torno de um projeto ou projetos comuns que visem melhorias nas condições de vida do povo. Na maior parte das vezes, é por puro pragmatismo: forças políticas, das mais diversas matizes, que se juntam para vencer as eleições e agarrar-se ao poder como cracas nas pedras das praias.


Isto não é, todavia, a condenação do processo político brasileiro, apesar de muitos aspectos condenáveis. É justamente a crítica ao esqueleto central: a união se dá com qual objetivo, em torno de quais diretrizes, e com quais programas? O povo é informado da causa dessas coligações? Por que A + B, e não A + C? O que A e B podem acrescentar à sociedade uma vez eleitos, e qual a parcela da contribuição de B à soma?


Se a união, por exemplo, é em torno do seguinte objetivo: reduzir a brutal desigualdade existente na sociedade brasileira. Uns 5 bilionários brasileiros detêm a quantidade de riqueza equivalente à metade da população do país. METADE. Ora, se um Presidente da República se elege tendo como um dos seus objetivos o citado acima, ele deve mexer nesse vespeiro. Sim, é um vespeiro relativamente pequeno, mas muito poderoso. Essa elite domina vastos territórios nacionais, financia campanhas, elege deputados e sustenta Presidentes. O país ainda tem um viés oligárquico, se pensarmos bem. É uma democracia ainda nova e bastante frágil.


Nesse contexto, um partido dito de esquerda que alcança a Presidência deveria fazer jus ao seu lugar no espectro político e trabalhar para reduzir as desigualdades, não somente fazendo políticas sociais compensatórias (que são importantes, vale destacar), como é o caso do Bolsa Família, mas realizando reformas estruturais no Estado, entre as quais tributárias, para mitigar as desigualdades. Em termos práticos: cobrando mais dos mais ricos e investindo em áreas historicamente negligenciadas (educação, ciência, saúde); realocando recursos; reavaliando políticas de renúncia fiscal; cobrando aos grandes devedores do Fisco; combatendo fraudes, evasão de divisas, reduzindo distorções nos impostos etc.


Isso significa modernizar o Estado, sem renunciar às suas atribuições essenciais, coisa que a direita e neoliberais defendem. Os governos do PT avançaram em muitos aspectos sociais, isso não se pode negar. Abriu universidades, criou a lei de cotas, criou o Bolsa Família, fez a transposição do São Francisco, valorizou o homem do campo, e por aí vai. Portanto, reconhecendo seus acertos, é preciso que se faça a crítica dos erros. Os governos Lula e Dilma permitiram uma concentração bancária que formou um oligopólio do sistema financeiro nacional, fazendo o Brasil ter um dos maiores juros rotativos do mundo. Aliaram-se a corruptos (Geddel, Eduardo Cunha, Temer...). Não fizeram reformas no modelo econômico do país (continua o mesmo modelo desde FHC até Bolsonaro, o chamado “Tripé Macroeconômico”), que ajudou a perpetuar desigualdades.


Assim, 2022 desponta como uma luz no fim do túnel para nos livrarmos do aspirante a ditador que está na Presidência. Lula segue em 1º nas pesquisas, o genocida em 2º e Ciro em 3º. Muito se fala na união dos partidos de centro e esquerda para derrotar Bolsonaro, mas está claro que fraturas graves e abertas não permitirão esta união. A dupla Ciro-Lula, dois dos principais líderes brasileiros no momento, seria uma opção interessante para fazer frente ao bolsonarismo, mas é inviável por conta não somente de diferenças fundamentais na visão de país, mas também porque Ciro vem desferindo ataques muito duros a Lula, que não serão abordados aqui. Aliás ambos são velhos amigos, Ciro foi ministro da Integração Nacional do 1º governo Lula e liderou a transposição do São Francisco, e esteve do seu lado no escândalo do Mensalão, o admira e Lula também é seu admirador, mas a relação entre os dois azedou, ao que parece, de forma incontornável.


O fato é que neste momento, para tirar o país deste furacão, era preciso colocar essas diferenças e brigas de egos de lado; aprender com os erros, projetar um futuro melhor para o Brasil, unindo forças em torno de projetos e aprendendo a conviver com as diferenças. Leonel Brizola, fundador do PDT, apoiou Lula nas seguintes eleições presidenciais: 1989, 1994, 1998. Brizola não poupava críticas a Lula e mesmo assim chegou a ser candidato a seu vice em 1994, com o lema União do Povo Muda Brasil.


Brizola merece um texto à parte. Fica, entretanto, o ensinamento: 2022 não deve ser uma repetição trágica de 2018. O PDT não deve se omitir, e de fato tem sido uma oposição combativa e propositiva, apesar de alguns deputados do partido votarem a favor de matérias retrógradas do governo. O PT deveria reconhecer erros e, caso volte à Presidência, fazer um mandato diferente dos anteriores, tocando em temas caros à população, especialmente a mais pobre, sem populismo e enganação. Resgatar o investimento na educação de base e ensino superior, aumentar o financiamento do SUS, acabar com o Teto de Gastos (uma aberração só vigente no Brasil, entre as grandes democracias do mundo), mexer no vespeiro da concentração de renda, não compactuar com corruptos. Mas esse é o cenário mais próximo do ideal, talvez. A realidade é diferente, e pode decepcionar a todos.


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