O local era de grande luxo. Compunham o extravagante cenário móveis em madeira nobre, lustre candelabro de cristal francês, tapetes persas e vasos de porcelana chinesa. Sobre a mesa, fartura. Doces diversos, saladas coloridas, filé mignon, lentilha, arroz à grega, peru. Para beber: champagne, vinho bordô e do porto, ponche e suco de laranja. Os convidados estavam bem vestidos, a caráter, todos na expectativa pela sua chegada. Figurava entre aquelas pessoas como um paladino, por assim dizer.
“Por aqui, doutor Romeu” o hostess conduziu o magnânimo senhor, acompanhado de sua esposa, até a sala de estar para ser recepcionado pelos convidados. Ele estava, como de praxe, bastante elegante, bem escanhoado, de terno slim e gravata borboleta. Já ela trazia a tiracolo uma bolsa Luis Vuitton, que logo atraiu os olhares das mulheres ali presentes.
Ao chegar foi aplaudido, ovacionado. À moda do populacho, só não foi erguido e jogado para cima várias vezes por que seria demasiado bárbaro e indelicado para com uma figura de sua projeção. O casal recebeu buquês, vinhos italianos e franceses, charutos cubanos e perfumes importados, tudo que os costumes burgueses tinham de melhor para oferecer. Esboçou, ao fim dos panegíricos, um tênue sorriso, e naquele momento teve a certeza de que tudo que vinha fazendo era bom e correto; aquelas pessoas e sua alegria e reconhecimento eram a prova disso.
O luxo dá prazer. Dr. Romeu não se sentia culpado em estar ali, estava apenas desfrutando da fama advinda de seu ofício, em plena apoteose e sendo homenageado pelo que vinha fazendo. Era legítimo, raciocinava. Seu trabalho estava gerando tanta repercussão que ele quase que diariamente aparecia nos maiores telejornais do país, era convidado para dar palestras no exterior e recebia jantares como aquele quase todo fim de semana, promovidos sempre pela alta sociedade, a afamada Casagrande. Naquela altura já era considerado alguém cuja competência era tão grande quanto a própria fama. Achava bom estar entre arrivistas competentes, empresários, membros do alto escalão do Judiciário, políticos e herdeiros de patrimônios milionários. Era o seu meio, onde podia gozar do que só grandes somas de dinheiro e sobrenomes tradicionais podem adquirir. Era, em suma, o início de uma era formidável.
***
Dava tristeza ver aquilo. Maria sentiu um aperto no coração, como há muito tempo não sentia. Ele havia sido preso, como mostrava o telejornal. Logo ele! Para Maria era como se dias piores do que aqueles se aproximassem, trazendo consigo a fome, a miséria e a demolição de sua casinha e as dos vizinhos igualmente pobres, cujo terreno era cobiçado pela especulação imobiliária. Seus dois filhos naquela noite comeram apenas alguns restos de bolachas com café preto. Não conseguiu dinheiro pra leite, e o que recebera de doação já havia terminado. Àquela hora não havia possibilidade de solicitar doação.
“Vai dormir os dois, agora”
Era bom que as crianças dormissem cedo, assim não sentiriam fome. Na televisão, Maria ouvia, aflita, o relato do repórter:
“O juiz federal Romeu Góes decretou agora a pouco a prisão do ex-presidente, numa decisão célere, após o Supremo Tribunal Federal negar o habeas corpus solicitado pela defesa do líder político”
Não entendia bem aquelas palavras difíceis, mas as imagens dele sendo conduzido pela polícia lhe enchia de amargura. Começou uma chuva fina lá fora, fazendo o tempo ficar mais frio. Os gotejamentos começaram a aparecer. Maria queria um companheiro. O sono aos poucos a fez adormecer sobre o sofá desconfortável e esburacado.
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