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Foto do escritorA coruja

o sus e o genocídio

Um relato pessoal


Ao adentrar o quinto semestre de medicina, na UFBA, o estudante passa colher anamneses e fazer exame físico em pacientes do Hupes - o hospital universitário. As histórias colhidas viram casos clínicos que são discutidos em aulas com professores de diferentes áreas médicas.


Na primeira aula intra hospitalar do ano corrente, pouco antes das aulas serem suspensas por conta da pandemia, meu grupo se reuniu com o professor numa pequena sala do 3º andar do Hupes, dentro da Enfermaria chefiada por ele. Os hospitais universitários têm essa característica: são hospitais escola, uma invenção acertada de William Osler, ainda no século XIX, que colocava o estudante pra aprender literalmente à beira do leito, com o paciente. Obrigado, Osler. Obrigado a todos os pacientes que, pacientemente, chegam a passar horas respondendo perguntas talvez já feitas dezenas de vezes por outros estudantes.


Como dizia, nos reunimos com o professor em sua sala, numa aula introdutória à disciplina. A todo momento éramos interrompidos por uma diligente residente que vinha discutir condutas com o professor. Aquela é uma ala delicada, com muitos pacientes críticos. Numa linguagem extremamente técnica, não só eu, mas acredito que meus companheiros também ficaram assombrados com a velocidade com que pensavam e respondiam sobre um assunto tão complexo quanto aquele.


Num dado momento da aula, o assunto da pandemia entrou em cena. Era início de março, e já ficava claro que tudo iria parar. O professor, experiente médico e que há muitos anos atua no SUS, tinha uma expressão de clara preocupação com tudo que estava por vir. O que nos chamou a atenção, durante sua fala sobre as deficiências do SUS, foi o uso de uma palavra bastante forte. Ele disse, abertamente, que o que ocorria no SUS era um genocídio.


"Você já deve ter visto bastante coisa, para ter que usar esse termo" disse eu.

"Mais do que queria" respondeu ele.


Ele também xingou os políticos.


"Se tiver justiça nesse mundo, nesta vida ou em outra, eles vão arder no fogo do inferno. De Lula a Bolsonaro, pra mim não tem diferença"


Ficamos calados. Mas essa palavra agora retorna e vem à tona, principalmente na voz da oposição ao (des)governo Bolsonaro: genocídio. O genocídio é um crime contra a humanidade, tipificado no direito internacional, e tem a ver com o extermínio deliberado de pessoas motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e, por vezes, sociopolíticas. A partir do momento em que o mandatário da Nação fecha os olhos para a grave crise sanitária que se instalou no País, e até faz deboche disso, brinca com vidas humanas e condena, com sua atitude criminosa, muitos brasileiros à morte.


O professor talvez tenha acertado em falar de genocídio no SUS, mas agora ele parece ocorrer "apesar" do SUS. Sim, porque, ruim com ele, pior sem ele. A catástrofe seria muito maior. Mais vidas se perderiam. É como está ocorrendo nos EUA: sem dinheiro, sem UTI. Diárias hospitalares lá chegam a custar mais de 4 mil dólares, ou 20 mil reais.


A história se repete como farsa ou como tragédia. Aqui parece ocorrer os dois. Do presidente farsante à tragédia do jogo com a vida dos brasileiros.

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