Uma breve reflexão sobre um possível significado à "não existência", ou morte.
O catolicismo romano e outras religiões enxergam a morte como fim último da experiência humana sobre a Terra, antes do ingresso num reino de paz ou tormento. Morrer para os ocidentais é extremamente sufocante, e esse quadro é agravado pelo receio que a religião impõe sobre questões delicadas como essa, ao imputar sobre o homem uma condição pecadora e cujo destino (após a morte, porque não) é o sofrimento, a depender de certos preceitos que ele tenha em vida.
A Reconciliação dos Montecchios e Capuletos Diante da Morte de Romeu e Julieta, por Frederic Leighton, 1855.
Morrer, certamente, não é bom, visto que viver é que é bom. Pelo fato de não conhecermos a morte, nós a tememos, mas tememos ainda mais a forma como morreremos, se será dolorosa, se será calma. Entretanto, morrer, sob um ponto de vista imparcial e sem apelo religioso, é bastante simples. É mais simples do que podemos imaginar. Ora, tomemos o seguinte raciocínio como ponto de partida: todo ser humano é gerado (como grande parte dos seres vivos) a partir da união dos gametas masculino e feminino, o espermatozóide e o óvulo, respectivamente. Surge então o questionamento: Até esse ponto primordial, o que “éramos”? Se o zigoto, que é resultante da referida união, é o estágio inicial que dará origem ao ser vivo, não é possível falar que um espermatozóide ou um óvulo era necessariamente uma forma humana primitiva, justamente pelo fato do zigoto assumir esse posto. A pergunta continua: o que “éramos” antes do zigoto ser formado?
A própria língua não dispõe de mecanismos para explicar esse fenômeno [um possível "estado" post-mortem], visto que associa o verbo ser, que implica condição ou estado, a um conceito (a não-existência) que objetiva determinar o nada
Neste ponto é possível fazer uma sucinta analogia com a morte. Ora, se a morte, do ponto de vista científico (apesar de controvérsias sobre o significado do termo) é o completo e definitivo cessar da vida de um organismo, do ponto de vista mental e fisiológico, e se antes de um ser vivo ser gerado não havia a vida dele, a morte pode ser considerada, então, como uma não-existência. É evidente que não é possível conhecer essa não-existência, é apenas um termo que define uma concepção objetiva da morte. Isso porque o próprio termo já é paradoxal em si mesmo: afinal de contas, o que é uma coisa que não existe? A própria língua não dispõe de mecanismos para explicar esse fenômeno, visto que associa o verbo ser, que implica condição ou estado, a um conceito (a não-existência) que objetiva determinar o nada.
A morte, nesse sentido, acaba por tornar-se obscura. Ao mesmo tempo em que ela é “simples” em si mesma, significando a condição pré-zigoto e a condição post-mortem (tomando como condição a percepção humana), não é possível saber o que acontece nesses estados. Afinal, que é a “não-existência”? Não dá pra saber, visto que não existe lembrança ou atividade mental nesse período. Nesse sentido, basta afirmar que jamais alguém desvendará o que vem a ser após a morte, tomando como argumento o fato de não haver nenhum resquício de atividade cerebral nas condições expostas. Logo, só é possível explicar a morte em termos biológicos visíveis e não-visíveis, com o estudo dos processos celulares no post mortem.
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