Pra que serve a política, em essência? Em tese, para mediar o debate, civilizar o conflito e satisfazer as necessidades da sociedade. O brasileiro possui direitos e deveres, os quais estão consolidados pela Constituição Federal de 1988, a chamada "Constituição Cidadã". Às vezes, no entanto, uma injusta batalha é travada no processo de cumprimento dos deveres e efetivação desses direitos.
A pobreza é um sintoma da ausência de políticas públicas em saúde, educação, lazer e emprego, ou seja, ausência de um Estado. Em regiões periféricas, como a mostrada na foto, o dito "sistema" existe tão somente para cobrar impostos.
Por que? Ora, se um cidadão qualquer deixa de pagar sua conta de luz, por valor irrisório que represente, terá seu fornecimento de energia elétrica suprimido pela companhia responsável pela distribuição, sem qualquer delicadeza. Se furta um detergente num supermercado, ou algum alimento, será, certamente, violentamente reprimido pela polícia, podendo inclusive ter a privação de sua liberdade determinada. No entanto, se passa oito horas ou mais para ser atendido num posto do sistema público de saúde, sente-se tolhido não pode fazer nada. Se é obrigado a pagar mais de 2 mil reais para tirar uma carteira de motorista, não pode fazer nada. Se tem de enfrentar uma rodovia totalmente esburacada, não pode fazer nada. Se o litro da gasolina está custando mais de R$ 4,00, e o gás de cozinha mais de R$ 70,00, não pode fazer nada. Se chega num hospital público e não tem maca, vaga na UTI, pessoal especializado, equipamentos médicos, atendimento humanizado, infraestrutura adequada, também não pode fazer nada. Se está desempregado, se a universidade está caindo aos pedaços, se não encontra vaga em creche para deixar seus filhos e poder trabalhar, se o esgoto da própria rua corre a céu aberto, também tem poucas opções de ação, ou nenhuma. Ora, direis: é preciso reclamar, organizar-se. Isto é o princípio, mas não é tudo. O Estado dispõe de dois mecanismos altamente eficazes e contraproducentes: a burocracia e o aparelho policial repressor. Além do que, uma população imbecilizada e ignorante - reflexo da falta do investimento eficaz em educação - não dispõe de meios para organizar-se e é apática em relação à política. Pela pouca instrução, fica predisposta a viver de subempregos ou até mesmo em desemprego - isso a conduz a uma dependência direta de programas sociais do governo e a leva à submissão a agentes públicos como vereadores e prefeitos.
A polícia compõe parte do aparelho repressor estatal. A essência dela é proteção dos cidadãos, mas em determinados casos suas funções são desviadas e usadas de maneira violenta pelo Estado para a manutenção do status quo.
Nós, cidadãos e cidadãs, por nosso turno, estamos de mãos atadas. Somos reféns de um sistema voraz e monstruosamente corrupto que suga as riquezas produzidas pelo povo, concentra-as nas mãos de uma certa elite - que em muitos casos se considera acima da lei e dos homens mortais - e devolve, sob a forma de investimento, pedaços miúdos de uma farta arrecadação. Pergunta-se, pois: vivemos realmente num regime democrático? A lei é igual pra todos? Por que o rapaz Rafael Braga foi preso por "portar" um vaso de desinfetante, e supostamente ter sido flagrado com 0,6 g de maconha, enquanto Paulo Maluf rouba desde a Ditadura Militar, sendo considerado um dos maiores lavadores de dinheiro e corruptos do Brasil, só agora em 2017 foi preso, do alto dos seus 86 anos? E o caso do filho de uma desembargadora do Mato Grosso do Sul que foi pego com 130 kg de maconha e farta munição de grosso calibre, tendo passado alguns dias na prisão e logo em seguida solto por um habeas corpus altamente suspeito?
O Art. 196 da Constituição é claro: a saúde é direito de todos o dever do Estado. Um hospital público que não atende as necessidade de uma determinada população fere diretamente este artigo constitucional e a dignidade humana, garantida pelo Art. 1º.
Não dá para competir. Um Estado é constituído para satisfazer as necessidades do povo, consolidando o que se pode chamar de sociedade e civilização, mas no Brasil ele é utilizado como forma de dominação, embora velada e pouco debatida. Muitas pessoas ainda morrerão - não numa guerra franca e aberta, como se fora um conflito civil ou um genocídio - mas nas frias calçadas das ruas, nos becos e favelas, num ambiente carcerário que acumula gente e fabrica criminosos em série, nas estradas torpes deste país, nos hospitais que mais parecem açougue e na marginalização de crianças e adolescentes.
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