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Foto do escritorA coruja

A barbárie brasileira

Chacinas em presídios brasileiros no início do ano de 2017 expõem a fragilidade - ou omissão - do Estado diante dos ímpetos de violência do crime organizado.


Os primeiros quinze dias do ano de 2017 vão entrar para a história do Brasil. Não que irão acabar em livros didáticos de história para Ensino Médio, longe disso. Afinal de contas, estamos falando dos recentes massacres ocorridos em presídios nacionais em um curto período de tempo, mal terminando um, o outro já tendo início, e as bases do governo sofrendo um forte abalo.


No dia 1º de janeiro de 2017 o povo brasileiro recebeu uma notícia estarrecedora: 56 detentos haviam sido assassinados com requintes de crueldade dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, em Manaus-AM. O motivo foi logo disseminado pela mídia: briga de facções. Um grupo de presos pertencente à Família do Norte, FDN, protagonizaram as cenas de horror num massacre em que membros do Primeiro Comando da Capital, PCC, foram vitimados. De pronto, e pra começar 2017 com pé esquerdo, o caos estava instaurado (ou melhor, atingiu seu clímax) no sistema penitenciário brasileiro. Era de se esperar, logo, que o jogo de empurra nos bastidores da política começasse, com um secretariado de governo incompetente, um governador inepto, um ministro da justiça omisso e um presidente da república falso, ao chamar a chacina de “acidente”.



Fumaças saindo do Compaj, durante a rebelião de 1º de janeiro de 2017. Foto: divulgação


Quatro dias se passaram. O povo ainda digeria o volume de notícias que se avultavam na mídia, com o proponente pouco notado de que a empresa que era responsável pelo Compaj (que, diga-se, e como quase todos os presídios brasileiros, é superlotado e dominado por facções) possuía um contrato com o estado amazonense cuja cifra ultrapassava 300 milhões de reais, quando um novo motim foi anunciado: dessa vez na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, localizada em Boa Vista, Roraima. 33 presos foram chacinados, numa cena, como a do Compaj, que fez qualquer filme de terror, ou mesmo a atuação de grupos radicais como o Estado Islâmico, parecerem brincadeira. Cabeças e corações arrancados, corpos mutilados e carbonizados. Novamente, o mesmo motivo foi escandalizado: brigas entre facções, dessa vez uma retaliação do PCC pelas mortes em Manaus.


Contradições não faltaram: enquanto o governo de Roraima anunciava essa versão, o ministro da justiça tentava contorná-la. Enquanto Roraima dizia que havia pedido ajuda ao ministro, alertando para uma possível rebelião no presídio, ele dizia que não havia sido notificado, mas depois comprovou-se que foi. Ficou por isso mesmo.



Caos deixado pelos detentos na Penitenciária Agrícola de Roraima. Foto: MPE-RR


Dia 14 de janeiro. Presos da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal-RN, iniciam nova rebelião, com mais de 30 mortos. De maneira bem semelhante aos outros motins, a causa relatada foi a briga de facções, dessa vez entre o PCC e o Sindicato do Crime. De fato, em Alcaçuz, era patente o grau de liberdade dos detentos, que mais pareciam estar num espaço de lazer: circulando livremente, em cima dos telhados dos pavilhões, erguendo bandeiras com as siglas das facções, e principalmente, como a imprensa cobriu ostensivamente, lutando entre si. A Guarda Nacional precisou ser acionada para conter os presos, que estenderam o motim por quase uma semana, diante da completa inação do estado e da União.


A penosa situação prisional brasileira não tem suas raízes no agora, apenas atingiu um clímax jamais visto desde o massacre do Carandiru, no início da década de 90. Com uma diferença: enquanto lá os detentos foram mortos por policiais, aqui eles mataram uns aos outros, e com algo em comum entre os dois episódios: a completa omissão do governo. Sim, pois é isto que se mostra, e de maneira gritante. Na grande maioria dos presídios brasileiros, senão em todos, quem domina não é o Estado, mas as facções, no eterno conflito pela supremacia sobre rotas de tráfico mais lucrativas. São mais de 600 mil detentos no Brasil, a quarta maio população carcerária do mundo, sendo que 80% dessas pessoas mal completaram o ensino fundamental, e onde 67% são negros.


No Brasil, presídio é colégio de crime. Com as recentes rebeliões ficou claro que adentrar numa facção ao adentrar numa prisão é uma questão de sobrevivência. E se o detento se negar? O pior pode acontecer. Quando em fim alcançam a liberdade, já não há volta: estão presos nas garras das facções, de maneira que boa parte deles sai mais violenta e pronta para as novas empreitadas no mundo do crime.


A barbárie brasileira atingiu proporções cinematográficas. Quase que literalmente. Além da imensa liberdade de que os criminosos gozaram na consumação dos massacres, a posse de celulares possibilitou a disseminação das imagens das matanças. Numa delas, enquanto um preso arranca um coração de um homem já morto, ele diz: “Aqui, coração de PCC”. Aí surgem, naturalmente, as questões que podem até parecer ingênuas: a que nível pode chegar a frieza humana? O que leva um homem a matar com tanta crueldade seu semelhante? Qual o nível real de influência/poder das facções no território nacional? São dúvidas que merecem a reflexão dos especialistas em segurança pública e profissionais de justiça.

O Estado brasileiro, pois, não tem demonstrado a mínima capacidade no combate ao problema da criminalidade. Primeiro porque boa parte de nossos próprios representantes é corrupta, e portanto também criminosa. Ora, como um bandido pode combater outro bandido? O que está acontecendo no Brasil é justamente isso: enquanto o sistema prisional vai à ruína e os governantes anunciam liberação de volumosos recursos para a construção de penitenciárias, esperam com aflição (ou não) o resultado de delações que os envolvem na propinocracia nacional, e tentam criar empecilhos à atuação dos ministérios públicos no combate à corrupção, como recentemente os exemplares deputados vetaram nada menos que 8 das 10 medidas contra a corrupção propostas pelo MPF com consulta pública. Em alguns dos pontos não aceitos, havia o seguinte: prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação; recuperação do lucro derivado do crime, etc. Como se diz por aí, é uma sacanagem o que estão fazendo com o país.

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